9 de dezembro de 2009

Bogotá combinou repressão com urbanismo e educação

Luiz Angel Blandon, 38, ex-guerrilheiro das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), tem entre suas funções distribuir gratuitamente livros em pontos de ônibus de Bogotá. É um projeto chamado "Livros que voam": o beneficiário precisa se comprometer a passar o livro adiante e exigir que o próximo a recebê-lo não interrompa a corrente literária. "Não fazia mais sentido ficar guerreando", explica. Personagens como Blandon são uma das explicações da redução da violência em Bogotá. De 1993 até este ano, a taxa de homicídios da cidade caiu quase 80% e está em 17 por 100 mil habitantes, quase igual à da cidade de São Paulo, o que significa dizer que, apesar do notável avanço, ainda está longe do satisfatório. Como aceitou deixar as armas, Blandon entrou em um programa público de reinserção. Ganha um salário para ajudar a melhorar Bogotá, promovendo, entre outras tarefas, a corrente literária. Além desse ex-guerrilheiro, os livros também ajudam a explicar o avanço na segurança. "A cidade investiu, além do aprimoramento da repressão, em urbanismo combinado com educação", afirma o sociólogo Jairo Arboleda, responsável no Banco Mundial, na Colômbia, pelo estímulo a parcerias comunitárias com o setor público. Bogotá criou nos últimos anos uma rede de gigantescas bibliotecas em bairros mais pobres, cujo papel primordial é recuperar o espaço público deteriorado e facilitar a convivência. O impacto visual dessas construções é semelhante ao dos CEUs, as modernas e amplas escolas públicas na periferia de São Paulo. O acesso à rede de bibliotecas é facilitado por uma ciclovia de 305 quilômetros e, mais importante, por um corredor de ônibus batizado de TransMilênio. A prefeitura se inspirou em Curitiba, com seus bi-articulados e o pagamento antecipado do bilhete feito em imensas e transparentes cabines na rua. A diferença é que, em Bogotá, o corredor não só levou transporte rápido e de qualidade às áreas mais distantes como se transformou em imensos calçadões para pedestres, alguns deles ajardinados ou com fontes de água. "É impressionante como o TransMilênio subiu a auto-estima dos moradores. Virou um motivo de orgulho coletivo", afirma Arboleda. Os projetos urbanísticos recuperaram a região central de Bogotá, tão deteriorada como as das grandes cidades brasileiras -e isso atraiu mais pessoas para as ruas. Praças foram criadas ou reformadas. Aos domingos, as principais vias são fechadas ao trânsito, agora exclusivas para pedestres e ciclistas. Assim com em Medellín o epicentro da violência estava na Comuna 13, em Bogotá a concentração se repetia num bairro com o sugestivo nome de Cartucho -a versão ainda mais piorada da Cracolândia, em São Paulo. Avaliou-se que ali já não havia mais jeito. O poder municipal transformou toda aquela área em um imenso parque e tratou de encaminhar seus moradores para outros locais. Para preencher essas regiões recuperadas, a prefeitura decidiu promover constantes shows de música, entre várias outras ações culturais como festivais de teatro e de dança. Os efeitos dessas iniciativas eram vistos no surgimento de uma nova vida noturna, antes limitada porque as famílias tinham medo de sair de casa. Evidentemente essas medidas seriam frágeis se não tivessem aumentado o número de policiais e aprimorado seu treinamento -passaram a receber cursos na universidade-, não fossem implantados núcleos de policiamento comunitário e não se sofisticassem os controles na prisão para reduzir a força do crime organizado. Houve um treinamento específico para os carcereiros. Foi fundamental o esforço dos governantes em tentar desarmar a guerrilha e os paramilitares. Mas a engenharia social de Bogotá é ainda mais complexa, e, como em Medellín, motivada por um trauma coletivo. É a sensação de um colapso provocado pela generalização da violência estimulada pela junção de narcotraficantes, paramilitares, guerrilheiros e quadrilhas. Tudo isso se potencializava nos bairros pobres, com seus jovens desempregados, baixa escolaridade, desestrutura familiar, violência doméstica, falta de opções de lazer, gravidez precoce. "Sentíamos que não tínhamos tempo a perder. Tudo parecia urgente", conta a jornalista colombiana especializada em violência Bibiana Mercado, agora na ONU. Estavam em Bogotá muitos dos alvos dos cartéis de Cali e, especialmente, de Medellín. Políticos, promotores, juízes, jornalistas eram mortos rotineiramente. Diante do emaranhado de fontes de violência, apenas uma ofensiva simultânea em vários flancos teria alguma chance de funcionar, a começar de um pacto político com as forças clandestinas. O chefe de Luiz Blandon, o ex-combatente das Farc, hoje com seus livros distribuídos em pontos de ônibus, é o advogado Darío Villamizar, ex-guerrilheiro do M-19. No passado, o M-19 destruiu o prédio da Suprema Corte e matou 70 pessoas, entre elas 11 juizes. "Aprendemos que a paz era o melhor caminho", conta Villamizar, responsável pela inserção na sociedade de ex-guerrilheiros e paramilitares que abandonaram as armas. "O que fazemos é transformá-los em empreendedores para que toquem sua vida." Depois de abandonar as armas, líderes do M-19 montaram o "Observatório da Paz". Um de seus programas, dirigido por Vera Grabe, é disseminar a cultura do entendimento e do diálogo nos bairros mais violentos. "Sabemos o impacto positivo que se alcança quando aproximamos as crianças e os jovens da cultura. A música, a dança, o teatro, as artes plásticas, a comunicação prestam-se como fonte de realização e vacina contra a marginalidade", diz. Para ajudar a disseminar esse tipo de ação, o Unicef sedia um projeto chamado "Aliança para a Paz". Coletam-se as mais diversas experiências, que são sistematizadas, formando um banco de êxitos a ser compartilhado nos diferentes níveis de governo. A Secretaria de Educação de Bogotá, por exemplo, mantém um laboratório de pedagogia comunitária, cuja missão é transferir todo esse conhecimento para a rede de ensino -ela integra a lista de entidades associadas da "Aliança para a Paz". Melhorar a educação formal foi um dos ingredientes do plano amplo contra a violência. O poder público se empenhou em aumentar a matrícula, reduzir a evasão e, através do treinamento para os professores, oferecer melhor qualidade de ensino. Bogotá é o epicentro, na América Latina, da idéia de Cidade Educadora, segundo a qual todos os serviços públicos e privados da cidade devem estar conectados às escolas. Os empresários de Bogotá acreditaram que poderiam fazer a diferença na questão educacional, interessados diretos na questão da segurança, afinal viviam ameaçados, e na produção de mão-de-obra qualificada. "Nossa contribuição foi focada na gestão, que é o que mais entendemos", afirma Guilhermo Carvajalino, principal executivo do movimento "Empresários pela educação". Os últimos cinco prefeitos eleitos de Bogotá - antes eram indicados- tiveram a assessoria ininterrupta dos técnicos indicados pelo grupo de empresários. Isso explica, em parte, por que o nível educacional da cidade, medido em testes, é o mais elevado do país.
Fonte: Portal Aprendiz - Artigo de Gilberto Dimenstein

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