Em seu famoso livro – A Divisão do Trabalho Social – Durkheim que foi
o primeiro a usar a palavra "anomia" numa tentativa de explicação de
certos fenômenos sociais, assim desenvolveu seu pensamento.
A sociedade moderna, para poder atingir os seus fins, inclusive de produção
e sobrevivência, precisa organizar-se; organização impõe divisão de trabalho ou tarefas; a divisão de tarefas produz especialização;
a especialização ocasiona isolamento dentro do grupo, motivando, por sua
vez, um enfraquecimento do espírito de solidariedade do grupo global; o enfraquecimento desse espírito de solidariedade acarreta uma influência
dissolvente e, por via de conseqüência, o comportamento de desvio.
Para o eminente sociólogo francês, portanto, desde que a divisão do trabalho
social supera um grau de desenvolvimento, o individuo, debruçado sobre suas
tarefas, isola-se em sua atividade especial, não mais sentindo a presença dos
colaboradores que trabalhavam a seu lado na mesma obra, perdendo mesmo, a
partir de um certo ponto, a idéia dessa obra comum. Durkheim invocou as
palavras de Comte no sentido de que as separações das funções sociais tendem
espontaneamente, ao lado de um desenvolvimento favorável do espírito de
minúcia, a abafar o espírito de conjunto, ou pelo menos a entravar seriamente o
seu desenvolvimento.
O pensamento de Durkheim, embora criticado por alguns, não deixa de possuir
certa razão, principalmente no que diz respeito às sociedades
superdesenvolvidas e por isso mesmo superorganizadas. Nessas sociedades
é visível que, ao lado das inegáveis vantagens que a divisão do trabalho
representa como recurso imposto pela própria complexidade crescente da vida
social, tal divisão transforma-se numa fonte de desintegração ao provocar as
especializações dos indivíduos.
Especialista, como disse alguém, é aquele que sabe cada vez mais de cada vez
menos. À medida que o individuo aprofunda os seus conhecimentos, diminui-lhe a
extensão ou amplitude e isso se tornou uma necessidade, uma exigência, em face
da vastidão do saber moderno.
Foi-se o tempo em que era possível saber de tudo, como os sábios da Grécia.
Hoje o saber humano é dividido em várias áreas ou ciências, e em cada ciência
há inúmeras especialidades. O mesmo ocorre com a atividade humana. Há diversas
e diferentes profissões e em cada profissão inúmeras especializações.
Não há mais lugar em nossos dias, profissionalmente falando, para o
individuo que é "pau para toda obra", que "toca sete
instrumentos" etc. É preciso cada vez mais, como uma contingência
social, saber muito bem fazer determinada coisa, para se poder competir no
mercado de trabalho.
A especialização, entretanto, forçoso é reconhecer, limita a visão
social do individuo, fazendo-o perder a visão global ou de conjunto da
atividade social. Com essa perda de visão da obra comum e do seu sentido,
ocorre também o enfraquecimento do sentimento de solidariedade grupal. O
indivíduo se isola dentro do grupo, e se junta a outros indivíduos de sua
especialidade formando grupos menores, às vezes até com interesses rivais aos
interesses do grupo geral.
Isso é facilmente constatado nas sociedades superdesenvolvidas dos
nossos dias. Pessoas que vão do Brasil, em visita ou a trabalho, a certos
países da Europa ou mesmo aos Estados Unidos, queixam-se da frieza, da falta de
solidariedade e calor humano que lá sentiram.
Até mesmo entre nós isso pode ser constatado, comparando-se a vida do
interior com a de uma grande cidade. Numa cidadezinha do interior, todo mundo
conhece e sabe de todo mundo. Todos se preocupam com todos e estão prontos para
se auxiliarem mutuamente. Há calor humano, espírito de solidariedade etc., ao
passo que numa grande cidade ninguém sabe de ninguém, e cada qual corre atrás
de seus próprios interesses. Somos capazes de morar muitos anos em um mesmo
prédio e não conhecermos o vizinho que mora ao lado ou de cima. Pior ainda é
que fazemos até questão de não saber quem é.
Se a tese de Durkheim apresenta muitos pontos verdadeiros no que diz
respeito às sociedades superdesenvolvidas, não é verdade no que se
refere às sociedades subdesenvolvidas, onde se observa que o maior índice de
desvio, principalmente no que concerne à criminalidade, verifica-se justamente
entre os menos especializados ou mesmo sem nenhuma especialização; por esta
razão a tese foi contestada e deixada de lado por muitos, em face da máxima de
Robert King Merton.
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