Uma área de 2,5 quilômetros quadrados no leste de Londres vai ganhar o maior parque urbano criado na Europa em 150 anos. É no Vale do Baixo Lea, afluente do Rio Tâmisa, que está sendo construído o Parque Olímpico para os Jogos de 2012. "As Olimpíadas são uma boa desculpa para recuperar uma parte da cidade com investimentos públicos", diz Richard Burdett, urbanista da London School of Economics (LSE) e consultor do órgão criado para gerenciar o projeto. Outras cidades já usaram os Jogos Olímpicos para reurbanizar áreas, como Barcelona fez com sua zona portuária, mas não na escala de Londres, até pelo know-how dos britânicos em intervenções urbanísticas. Nas últimas décadas, a capital inglesa viu surgirem empreendimentos privados bilionários em lugares decadentes - como o Canary Wharf, centro financeiro de grandes arranha-céus construído no leste nos anos 1990, que hoje está evoluindo para um bairro misto, comercial e residencial.
O orçamento das Olimpíadas já chegou a 9,35 bilhões de libras (R$ 29,8 bilhões). Parte dele vai transformar uma área com terras contaminadas pelo uso industrial e cortada por torres e linhas de energia num novo bairro. O projeto prevê a remoção das torres e a construção de 9 mil residências dentro do parque, além de reservar espaço para mais 30 mil nos arredores em algumas décadas. O Vale do Baixo Lea ganhará ruas, pontes, escolas, centros de saúde, lojas, restaurantes, shopping e infra-estrutura de transporte - lá ficará a estação de trem de Stratford, ponto de chegada opcional do Eurostar, trem de alta velocidade que liga Londres e Paris.
O parque terá área para caminhadas, ciclismo e pesca.
As autoridades querem usar as Olimpíadas para coroar o período de afluência de Londres, que há duas décadas vem crescendo vigorosamente. De um pico de 8,6 milhões em 1939, a população caiu para 6,8 milhões no início dos anos 1980. Hoje, está em 7,6 milhões, segundo o governo inglês (ou 8 milhões, para a Organização das Nações Unidas). Desde 1997, Londres atraiu pelo menos 700 mil imigrantes, que elevaram para 30% a proporção de estrangeiros na população. O crescimento demográfico está associado ao exuberante sucesso econômico. A cidade é o principal centro financeiro global - de acordo com um ranking da Mastercard, foram negociados em Londres R$ 5,2 trilhões em títulos em 2006. Também virou um centro dinâmico das chamadas indústrias criativas. Segundo a prefeitura, áreas como arquitetura, moda, design, publicidade, show business e o ramo editorial geraram R$ 66,9 bilhões em 2007, empregando 554 mil pessoas, 12% da força de trabalho. Essa receita só perde para a dos serviços financeiros, de R$ 101,9 bilhões.
Tanta riqueza tem uma contrapartida: a expulsão da classe média das áreas centrais. Segundo relatório de 2007 do Citibank, Londres era o mercado mais caro do mundo, com o preço de R$ 79,0 mil por metro quadrado para os melhores imóveis da área central, comparado a R$ 75,8 mil em Mônaco e R$ 55,1 mil em Nova York. Por trás dessa valorização estão os ganhos de ricos e super-ricos. Em 2007, operadores da City, o distrito financeiro, receberam R$ 22,2 bilhões em bônus. E bilionários estrangeiros inflacionam áreas superexclusivas, sejam as bem centrais, como Kensington, Belgravia e Mayfair, com as fachadas de tijolo das mansões vitorianas, ou Hampstead, ao norte. "Vendemos uma casa em Hampstead por 35 milhões de libras (R$ 111,4 milhões) a uma iraniana", diz Liza-Jane Kelly, diretora de Vendas da imobiliária Marsh & Parsons. Ela foi entrevistada na agência da Kensington Church, rua onde um apartamento de um quarto e um banheiro, sem elevador nem garagem, custa R$ 1,8 milhão, muito acima do preço médio de uma residência na Grã-Bretanha, de R$ 704 mil. Ali perto fica a aristocrática Kensington Palace Gardens. Séria candidata a rua mais valorizada do mundo, ela tem imóveis como a mansão comprada por R$ 207 milhões pelo rei da siderurgia indiano, Lakshmi Mittal.
Na Londres central, a tendência é a de que permaneçam ricos e os excluídos, beneficiados por programas de habitação. "Há uma polarização", diz Anne Power, professora da LSE. O próprio bairro dela, Islington, está entre as dez áreas administrativas mais pobres da Grã-Bretanha, mas tem partes superchiques - o ex-primeiro-ministro Tony Blair mora lá. "Minha casa já vale 1 milhão de libras (R$ 3,1 milhões), e eu não quero viver numa casa tão cara", reclama Anne, com ironia. Islington é um exemplo de "gentrification".
Aos domingos, a Rua Brick Lane fica tomada por uma feira que tem móveis, livros, eletrônicos e uma cena frenética de moda. A "gentrification" começa com a chegada de artistas e profissionais da indústria criativa. Áreas de classe trabalhadora e imigração - asiática, no caso de Spitalfields - têm o ingrediente exótico e a aspereza que dão o tom moderno que esses jovens procuram. "É bom estar num lugar seguro, mas que não perdeu a personalidade, um ar radical que a gente vê na cena musical dos pubs", diz o engenheiro Tom Williams, de 32 anos, que mora em Shoreditch. Logo, porém, chegam os jovens financistas e os preços disparam. "Mesmo pessoas que têm dinheiro, mas não são ricas, estão deixando Londres", diz Anne.
Uma das diretrizes urbanísticas da capital é a de garantir, por lei, que 50% das residências erguidas na parte central tenham preços acessíveis, para manter na cidade profissionais como enfermeiras, lojistas e policiais. Para os pobres, sobra o aluguel subsidiado: um terço das moradias de Londres, os council estates, está nessa categoria. Os apartamentos têm aluguel médio de R$ 260 por semana, ante pouco mais de R$ 3,1 mil da média na cidade. Nascida em Gana, Vida Booteng, de 18 anos, mora com quatro irmãos e a mãe num dois-quartos no council estate de Woodberry, em Hackney, no norte. "Viver em Londres, para pessoas como eu, é deprimente. É difícil conseguir emprego e sem dinheiro não se faz nada."
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