28 de setembro de 2009

Progressão de pena beneficia condenados por crimes hediondos

EXAME CRIMINOLÓGICO ? Ressocialização , Regeneração e Recuperação do Condenado ? Para quem? de que forma ? quando ? Onde os tres Rs estão presentes? Como fazer cumprir a Lei , sem antes examinar as reais condições do criminoso; como possibilitar a volta deste elemento à sociedade? São muitas as indagações acerca deste fenômeno criminológico e muitos os caminhos a percorer que a letra fria da Lei não sabe ainda.

Bandidos perigosos de todo o Brasil condenados pela Justiça estão soltos. Isso por causa de um benefício garantido em lei: a progressão de pena. Muitos deles, quando passam para o regime semiaberto, acabam fugindo. E pior: segundo o Ministério da Justiça, oito em cada dez beneficiados voltam a cometer crimes. Uma foto leva o carinho que o pai já não pode dar ao filho. Kayto foi violentado e morto há cinco meses por um criminoso solto em regime semiaberto. “Ele falou que se fosse solto ele faria de novo. E ele cumpriu o que ele falou”, contou o pai de Kayto, Jorgemar Pinto. O crime que tinha levado Edson Alves Delfino, de 29 anos, à prisão foi o estupro e assassinato de outro menino de 8 anos, no interior do Mato Grosso. Condenado a 46 anos, ele cumpriu 9 anos. “Quando um juiz for dar uma regressão de pena a um condenado, que ele olhe com calma, que ele analise que réu que é esse, como que foi”, disse o pai de Kayto. No Rio de Janeiro, em abril deste ano, os traficantes Márcio José Sabino, o Matemático, de 34 anos, e Nei da Conceição Cruz, o Facão, de 37 anos, ganharam o direito de trabalhar fora da prisão. Os dois fugiram ao receberem o benefício e, um mês depois, lideraram uma invasão no Complexo da Maré. Oito pessoas morreram na batalha. Alexander Mendes da Silva, o Polegar, também está na lista de foragidos da Justiça. Nesta segunda faz duas semanas que o ex-chefe do tráfico do morro da Mangueira saiu da prisão para trabalhar e não voltou. “Polegar saiu às 7 da manhã, tinha que voltar às 7 da noite. Em menos de 12 horas, ele desapareceu”, diz José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Há dois anos, Polegar tentava passar para o regime semiaberto. Desde 84, todo condenado que cumprisse um sexto da pena, podia pedir o relaxamento de prisão e cumprir o resto em regime aberto ou semiaberto.Em 1990, veio a lei dos crimes hediondos. Os condenados por esses crimes teriam que cumprir toda a sentença em regime fechado. Mas em 2006, o Supremo Tribunal Federal se manifestou dizendo que, pela Constituição, todo preso tem o direto à progressão de pena. A partir daí, os condenados por crimes hediondos passaram a ter os mesmos direitos dos outros presos, podendo pedir o relaxamento cumprindo apenas 1/6 da pena. Em 2007, a lei endureceu de novo. Hoje, quem é condenado por crimes hediondos, se for réu primário, tem que cumprir dois quintos da pena. E se voltar a cometer crime, não perde o direito, só tem que cumprir três quintos da pena. “É importante que, além do cumprimento de determinado percentual de pena que a lei autoriza, se investigue profundamente se aquele condenado apresenta condições de voltar às ruas imediatamente”, declara Claudio Lopes, procurador geral de Justiça do Rio de Janeiro. “Faz uma análise se vai ter condições de ir pra rua ou não. Muitos têm condições, mas muitos não têm, como ele não teve”, diz uma mulher, que não quis ser identificada porque testemunhou o assassinato da filha de 25 anos. Só um dos três bandidos está preso. Augusto César de Souza, condenado a oito anos por roubo, estava em liberdade condicional há quatro meses. Agora, condenado a 28 anos de cadeia pelo assalto seguido de morte, poderá sair em nove. “Segurança pública é polícia, é o Ministério Público, é o Tribunal de Justiça, é o sistema penitenciário, é o Legislativo e o Executivo que sanciona essas leis. Então, a polícia faz a primeira parte e prende. E, se nesse sistema todo, um elo dessa cadeia se dissolve, o problema volta pra polícia novamente, assim como estamos vivendo o problema de hoje. E em outros estados da Federação, isso é muito comum”, diz Beltrame. Salvador, agosto dete ano. Gilvan Cléucio, um condenado a 22 anos por roubo e estupro, em saída temporária, sequestrou e matou a médica Rita de Cássia na frente da filha de 1 ano e oito meses. “O criminoso passou o veículo várias vezes pelo rosto dela, que ficou transfigurado”, conta Carlos Henrique Martinez, cunhado de Rita de Cássia. São Paulo, maio de 2006. Uma semana de ataques orquestrados pelo crime organizado. Quase 500 mortos. Foram dezenas de atentados ao longo de oito dias. Os alvos eram os prédios públicos, os quartéis do Corpo de Bombeiros, mas, principalmente, as delegacias e os postos de policiamento comunitário, como um deles na Zona Norte de São Paulo. Os bandidos pararam na esquina e abriram fogo. Quinze tiros atingiram o prédio do posto. Por sorte, os dois policiais que estavam lá dentro saíram sem ferimentos. Mas ao longo desses dias em que a polícia foi obrigada a se esconder atrás de vidros à prova de balas, a população do estado mais rico do país, da cidade mais importante da América Latina, se tornou prisioneira do terror, comandado de dentro das prisões por bandidos condenados e executado, em parte, aqui fora também por bandidos condenados, que conseguiram legalmente, voltar à liberdade. Dois dos bandidos em liberdade condicional eram Alex Gaspar Cavalheiro e Carlos Santos de Portugal, acusados da morte do policial militar Isaías Lopes Vianna e do bombeiro João Alberto da Costa. A ficção traduz o sentimento popular da impunidade. O filme “Salve Geral”, que chega aos cinemas na sexta-feira, tem como pano de fundo a semana em que São Paulo parou. “Eu tenho absoluta certeza de que se esses benefícios não tivessem sido concedidos, a articulação desse tipo de atentado seria impossível”, declara o promotor de Justiça Criminal Márcio Christino de São Paulo. “A progressão não equivale necessariamente a uma liberdade. Se ela está equivalendo é que há um problema de fiscalização e de implementação desse regime”, declarou Alessandra Teixeira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Num sistema que falha em reintegrar os presos em 80% dos casos, as vítimas carregam uma pena que não diminui. “As pessoas chegam para você e dizem: ‘com o tempo você vai superar, vai esquecendo’. É mentira. O tempo passa e fica mais difícil, mais complicado. E parece que foi ontem. Parece que o Kayto está sempre vivo aqui junto comigo”, lamenta o pai do menino morto.

Fonte: Fantástico, 27.09.09 Globo TV

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